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Lady Tempestade: Andréa Beltrão revive justiça e memória em monólogo arrebatador

Yellow Mag

Inspirado nos diários de Mércia Albuquerque, Lady Tempestade conecta o passado e o presente em um monólogo que desafia o público a refletir sobre justiça, memória e os ecos da história no Brasil contemporâneo.


A temporada 2025 do Teatro Poeira estreia com Lady Tempestade, monólogo protagonizado por Andréa Beltrão e dirigido por Yara de Novaes. Inspirado nos diários da advogada pernambucana Mércia Albuquerque, o espetáculo propõe uma reflexão sobre os ecos da ditadura militar brasileira no presente. Em cartaz desde 9 de janeiro, com ingressos já esgotados até 27 de abril, a peça acumula três indicações ao Prêmio Shell, destacando-se pela força de sua abordagem artística e histórica.


Escrito por Silvia Gomez, o texto parte dos relatos de Mércia Albuquerque (1934–2003), que defendeu mais de 500 presos políticos durante os anos de repressão no Nordeste. A narrativa acompanha A., personagem de Andréa Beltrão, que, ao receber os diários de Mércia, é conduzida por histórias de luta, coragem e dor que a transformam profundamente. A peça funciona como um “diário dentro do diário”, entrelaçando as memórias da advogada com os dilemas contemporâneos. Passado e presente se misturam, sugerindo uma reflexão contínua: “Se não podemos ‘desver’, o que faremos com isso?”.



Com a frase “Essas coisas acontecem, aconteceram, acontecerão” como eixo central, o espetáculo conecta os anos de chumbo da ditadura militar ao Brasil atual. Em uma das cenas mais impactantes, um áudio real de 2022, no qual uma mãe narra o assassinato do filho pela polícia, estabelece um paralelo contundente entre as feridas do passado e as injustiças que persistem. A peça, assim, vai além da memória, transformando-se em um alerta sobre a necessidade de lembrar para não repetir.


Mércia Albuquerque, embora pouco conhecida, foi uma figura fundamental na defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Sua atuação se destacou especialmente ao defender presos políticos, com um papel crucial na luta contra a repressão estatal. Ao longo de sua trajetória, foi presa 12 vezes e seu apelido, “Lady Tempestade”, reflete sua personalidade destemida e combativa, como ela mesma descreveu: “Minha mãe é bonança; eu não. Sou tempestade.” Um dos momentos mais marcantes de sua história foi a decisão de defender Gregório Bezerra, um militante que foi brutalmente torturado publicamente, o que a solidificou como a maior advogada nordestina de presos políticos.



A coragem de Mércia não apenas se manifestou nas salas de tribunal, mas também em momentos de desespero e esperança. Um episódio notável de sua vida foi o envio de uma mensagem em uma garrafa, enquanto mantida em prisão domiciliar, na tentativa de salvar seu filho bebê. Essa ação ilustra a humanidade que permeava sua vida e a tenacidade que a impulsionava a agir mesmo nas circunstâncias mais adversas. Apesar de sua significativa contribuição, sua história permaneceu à margem da memória nacional, evidenciando a necessidade de reconhecer e valorizar as lutas de mulheres como Mércia, que enfrentaram a opressão com bravura e dedicação.

Andréa Beltrão, em sua melhor fase, dá vida à intensidade da peça com uma atuação precisa e sensível. Após o sucesso de Antígona, que lhe rendeu o prêmio APCA de Melhor Atriz, Andréa se aprofunda novamente em questões de justiça e memória. Sobre o papel, ela reflete:



“Mércia dizia que era uma contadora de histórias das pessoas que reconstruíram a liberdade. Eu também sou uma contadora de histórias. Contar é uma forma amorosa de pensarmos juntos sobre nosso passado, presente e futuro. Contar para nunca esquecer.”

A direção de Yara de Novaes mistura documento e ficção, transformando o palco em um tribunal da memória. Conhecida por trabalhos como Tio Vânia e A Ira de Narciso, Yara encontrou nos diários de Mércia uma história necessária. “Foi um susto ler os diários, mas também uma convocação. Essa história precisava ser contada, e o teatro é o lugar ideal para isso.” Em um momento em que o Brasil comemora 40 anos de redemocratização, sua direção constrói um espaço cênico que provoca e emociona, conectando as cicatrizes do passado ao presente.


Lady Tempestade não é apenas um espetáculo, mas um convite à reflexão. Em tempos de polarização e discursos autoritários, a montagem desafia o público a revisitar a história e a assumir a responsabilidade de preservar a democracia. Com uma equipe brilhante, um tema urgente e a atuação marcante de Andréa Beltrão, a peça se torna essencial para quem acredita no poder transformador da arte.



Texto: Carlos Mossmann

Retratos: Nana Moraes/Divulgação

Fotos em cena: Felipe Ovelha/Divulgação

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