Cantor e compositor mineiro, Lafetah vem se destacando entre os artistas LGBTQIA+ de Belo Horizonte. Ele mistura música e teatro, pop e indie, vídeo e poesia, em um trabalho profundo e denso, porém dançante e inovador.
O cantor nos concedeu uma entrevista exclusiva. Segue abaixo o nosso bate-papo:
Yellow Mag: Para começar, como e quando começou a sua relação com a música? E em que momento você decidiu fazer desse talento profissão?
Lafetah: Comecei a cantar antes mesmo de falar, de acordo com minha mãe. Meus pais tinham que me mandar calar a boca porque eu ficava cantarolando melodias que inventava o tempo todo, sem parar. Aí me puseram para cantar em igrejas, teatros, apresentações de escola e até em cadeia. Bem novinho, me profissionalizei, participando de bandas de casamento e baile. Até que, em 2018, lancei meu primeiro trabalho autoral, o EP "Insone", com minha banda.
Yellow Mag: Amamos a sonoridade das suas músicas. De onde vem suas inspirações? Quais são as suas referências?
Lafetah: Misturo todas as sonoridades musicais possíveis que amo, e dou um jeito de fazer funcionar. Cresci ouvindo a MPB mineira do Clube da Esquina, mas mudei para o pop na adolescência, o que fica perceptível no meu som. Aí misturo isso com a música folclórica árabe, de onde vem a origem da minha família. Também aprendi a cantar imitando divas como Etta James e Aretha Franklin. Então sempre coloco uma pitada de soul e R&B em toda música que eu faço.
Yellow Mag: Qual o seu processo de criação na hora de compor?
Lafetah: Geralmente sonho com alguma melodia. Então, acordo de madrugada e gravo tudo no meu celular, antes que me esqueça pela manhã. As letras vêm surgindo aos poucos, depois penso em algum conceito que eu queira abordar, e que ache que combine com essa melodia. Às vezes, tem a ver com meu dia-a-dia, ou com algo que vi no noticiário e me deixou incomodado, como fiz com "Leviatã", ou simplesmente invento algo que nunca vivi, como a história dos beduínos aventureiros do deserto, na minha música "Safári", que vai estar em meu álbum.
Yellow Mag: Como surgiu a ideia de fazer o seu primeiro EP? Foi um projeto totalmente independente?
Lafetah: Sim, totalmente independente. Eu e meu amigo Noah Haas, que é guitarrista, decidimos gravar num EP as nossas composições, que apresentávamos em shows com nossa banda em BH. O EP "Insone" tem uma vibe mais dark, puxada pro blues, mas com alguns toques de tango, gospel e até samba-canção. Tudo 100% orgânico, ao vivo, sem beats ou elementos eletrônicos, como faço hoje. Saiu do nosso bolso, e criei o conceito visual da capa com minha amiga pintora Sofia Bartolomeo. Depois fizemos os videoclipes com a mesma pegada meio vampiresca-gótico-romântica. Acho que eu era o único artista em Belo Horizonte que não estava cantando sobre sol, piscina e verão. Então, a galera por lá não chegou a ouvir tanto esse som.
Yellow Mag: Quando irá lançar seu primeiro álbum? Fale um pouco sobre o processo de criação de ‘O Bestiário’.
Lafetah: Meu álbum de estreia, "O Bestiário", vai sair esse semestre, com nove canções autorais. Um bestiário era uma espécie de enciclopédia medieval que falava sobre seres fantásticos como dragões, unicórnios, etc. Então todas as faixas possuem o nome de algum animal ou planta mitológica, pois acredito que, se esses monstros não existissem em nós, em nossos sonhos e no subconsciente coletivo, eles nunca teriam sido criados. Essas lendas querem dizer algo sobre nós enquanto humanos, enquanto sociedade, e cada uma das letras explora uma faceta diferente da minha personalidade, positiva ou não. Aí conheci o Rico Manzano, produtor musical que captou minha ideia e minhas referências malucas, e conseguiu colocar tudo isso numa roupagem pop e urbana, como eu sempre quis.
Yellow Mag: E, por fim, existe algum momento que possa definir como o mais marcante na sua trajetória musical?
Lafetah: Definitivamente, minha mudança de BH para São Paulo. Como disse, sempre me senti um peixe fora d'água na cena musical de Minas. Mas, logo na minha chegada em Sampa, já encontrei artistas que me acolheram como família, pois eram estranhos como eu. Mas, pra viver isso, passo todo tipo de perrengue. Às vezes, sem um lugar pra ficar, sem comer e dormindo de favor na casa de algum amigo, e fazendo todo tipo de bico, desde empacotador em supermercado (de onde fui demitido porque fazia bagunça com as sacolas) a garçom em restaurante de luxo e boteco de faculdade. Mas mantenho a cabeça no lugar, focado na música. Acordo cedo todo dia para correr meus 10km, fazer minhas preces, e dar início ao meu dia: compondo, gravando e conhecendo pessoas que também possam acreditar no meu sonho.
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